domingo, 15 de janeiro de 2006

A Caixa

22.12.05
Andando pelos corredores, tropecei numa grande caixa de papelão. Apesar de ser uma caixa velha e batida, eu sabia que o conteúdo era importante, as coisas dentro dela ainda se moviam e flutuavam, dançavam sozinhas umas com as outras. Empurrei a caixa pelo corredor, até o esconderijo debaixo da escada. A caixa se abriu um pouco e seu cheiro doce, leve e dourado espalhou-se, inconfundível e discreto, era marcante, era como se sempre estivesse em toda parte, como se fosse parte do ambiente, ainda que sua chegada fosse avassaladora. Os quadros nas paredes se remexeram em sua imobilidade, nada neles mudou, mas estavam diferentes, olhavam sem mover os olhos, acompanhavam fingindo indiferença. Todos sabiam, todos queriam, todos queriam mais, e tinham medo, e tinham desejo. Sob a escada, sentei ao lado da caixa e comecei a remexer o conteúdo. Era engraçado como parecia tão vivo depois de todo o tempo que se passara, como era vibrante mesmo esfarrapado. Eram retalhos leves e coloridos, de um momento que não existe mais. Havia o retalho com a declaração escondida, o retalho da declaração correspondida, o retalho dos sonhos entrelaçados. O quadro triste no final do corredor começou a gritar e debater-se na parede, todos os outros quadros tremiam diante do alarme. Inclinei o corpo para fora do esconderijo e olhei para o quadro triste. "Eu sei", sussurrei, e o quadro silenciou, ainda ressabiado. Continuei remexendo na caixa, a saudade fazia meus dedos formigarem. Retalhos lindos e vivos, porém ainda eram retalhos soltos, não havia mais meios de costurá-los na realidade. Estavam definitivamente fora, suspensos num mar sem fim de "não sei". Fechei a caixa com cuidado, passei fita adesiva em todo canto, para mantê-la bem lacrada. Arrastei a caixa de novo para o corredor, o quadro triste agitou-se ao vê-la. "É só o passado, já acabou", pensei comigo. A caixa era pesada, deslizou lentamente pelos ladrilhos, até o final do corredor, e depois desceu degrau por degrau até o porão. Deixei a caixa encostada ao lado do resto dos arquivos. Assim como a caixa, ao armários metálicos tinham em suas gavetas todo tipo de lembrança, toda sorte de coisas que não quero jogar fora, mas que já não se encaixam mais no quadro da vida hoje.

1 Comentários:

Às 1:12 AM , Blogger Márcia Engel disse...

--comentários importados do blog antigo--

faz tempo que nao me dedico ao meu blogger ele ta jogado as traças =( pretendo revive-lo o quanto antes... possui orkut ??
HertZfeld | Homepage | 28.12.05 - 8:51 pm | #

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Nossa... acho que nunca te vi escrever algo tão poético. Lindo, lindo.
Grazi | Homepage | 28.12.05 - 10:25 am | #

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Ótimo, ótimo. Seu texto foi muito bem escrito, frases bem trabalhadas... vem cá: você conhece a comunidade no Orkut chamada Blogueiros Malditos?

http://www.orkut.com/Community.a...spx? cmm=5834833

Vai por mim, você vai gostar...

Um grande abraço e muito obrigado por prestigiar o Jornal do Blogueiro! Feliz Ano Novo!!!
Denilson | Homepage | 28.12.05 - 8:11 am | #

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Elogio da Loucura !
Viva Ela !
Viva Tu !
Viva o rabo do Tatu !
bjs.
Paulo Castro | Homepage | 28.12.05 - 6:40 am | #

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Cintia: ano novo, blog novo e vida nova. Estou aproveitando os últimos dias do ano para tirar do caminho toda a tralha que não quero mais

Leela: sabe, eu nunca achei uma função para a modéstia. A falsa modéstia sim eu sei para que serve... rs. Mas falando sério, acho que ninguém precisa ser modesto, ser sincero já está ótimo. Te linkei também, fiquei um tempão hoje lendo seu blog e achei ótimo =)
Márcia Engel | Homepage | 28.12.05 - 2:46 am | #

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Se pensamos parecido, deve ser falta de modéstia eu ter adorado seu blog! Hahaha!
Vou te linkar, gostei mesmo.
Beijos.
Leela | Homepage | 28.12.05 - 12:13 am | #

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Ano novo blog novo? Já mudei o link!
Beijim
Cintia | Homepage | 27.12.05 - 11:04 pm | #

 

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