quarta-feira, 31 de maio de 2006

A matéria dos poetas.

Por Tetsuo Matsunaga

Alguém que não vê com os olhos do sagrado não pode sequer rezar. Algumas vezes da solidão vem a descoberta interior.
Quando era pequeno e me via em apuros virava minimalista, me perdia em mim mesmo, me pegava observando padrões de tacos e azulejos, texturas de colchas e de cascas de árvore, delicadezas de plantas e flores, assim como faço quando estou apaixonado.
Ah não, um poeta não se apaixona primariamente por outrem, antes, mais e melhor, apaixona-se por si mesmo. E deste amor, que transforma e alimenta, nasce algo tão forte (e não digo puro porque nem sempre o é), que cresce, transborda e preenche cada canto vazio, ocupa cada ação, toque, visão.
E é isto que tento, sempre. É premeditado.
Eu tento lhe seduzir, envolver. Apaixone-se e me satisfará, dará forças para estas linhas.
Você se pergunta de qual pretensão o poeta se vale para achar que se deva amar poucas linhas de um ego desconhecido e muitas vezes impoluto. Você se pergunta e ainda exige resposta imediata.
E eu lhe pergunto: Afinal, o quê é que você sabe? O quê não é desconhecido? E o quê tem resposta imediata?
Não sou nada que não exista em outros lugares, linhas, palavras, tempos. Sou eu e sou mais do mesmo. A matéria impoluta, inconstante, a mesma matéria da estrada do paraíso e de todos os outros lugares que podemos alcançar. Matéria de todos nós, a síntese do que amamos.
Mas isto é superficial. O poeta quer ver além, além da matéria, além das linhas, palavras, tempos, achar verdades além das verdades.
E pelo caminho da verdade perde-se, ofusca-se, cega-se, acaba por perder a via principal e se conforta trilhando o próprio caminho.
Uma busca ardendo na fronte e as garras do frio fechando-se às suas costas. Tudo que podemos esperar é que o caminho nos leve a algum lugar.
Sublimamos paixões, colocamos dores e prazeres em altares e os adoramos. Um poeta está longe de um cientista mas tenta por seus próprios meios sintetizar a vida.
Somos enganadores, pobres doidos varridos. Não nos sigam, não nos trilhem o caminho. Não temos respostas, não temos verdades.
O que queremos, na maioria das vezes, é simplesmente companhia.

São Paulo, 06 de janeiro de 2004 04:59 hrs

1 Comentários:

Às 8:25 PM , Blogger Cintia disse...

Ó, o peixinho ainda vive?

Bom saber, bom saber...

Agora dê-me licença, que preciso ir afiar minhas facas ginsu...

Bjks,

 

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