quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A Queda

Os caminhos que percorri me trouxeram de novo ao precipício, como tantas vezes antes. Se vou pular? Claro, sem dúvida que sim, como sempre foi.

Lembro-me de outros tempos, de estradas intermináveis, de asfalto rolando e vidas passando às margens de nós. Lembro dele, meu grande anjo da guarda com cara de mau. Eu adorava a cobertura de machão malvado, e sabia que seu recheio era tão doce.

Mas hoje não há mais estradas para mim, não passo mais os dias rodando e rodando. Continuo a pé, explorando novos caminhos, achando todos os meus próprios precipícios, para então pular. Um instante de hesitação, de puro medo, e então a queda. Vento nos cabelos, a liberdade definitiva, o corpo solto no ar, sem ligações com o mundo, apenas consigo mesmo. Haverá impacto, dor e lágrimas, sempre há. E vai levar tempo até que eu possa andar pelos meus caminhos de novo, e achar o próximo precipício. Mas nada disso pode impedir aquele passo rumo ao espaço vazio. Eu me atiro de cabeça, de coração e alma, sinto a adrenalina e vejo as cores saltando do mundo.

Não há ninguém lá embaixo de braços abertos, esperando para me salvar. Nem eu quero isso, não mais. Existem sim outros e outras, e mesmo que haja silêncio entre nós, sempre existe uma compreensão, uma ligação, um pensamento, um carinho que não precisa ser declarado. Eu caminho só, mas levo muitos comigo.

Todo mundo precisa de algo só seu, não é? Eu tenho a queda, o giro vertiginoso do mundo que me puxa de volta para si. Talvez um dia eu seja como Ícaro e ganhe asas para voar para sempre. Ou pelo menos o suficiente para tentar alcançar o sol, e depois ser puxada mais uma vez para o abraço do mundo que reclama minha ausência.

Por enquanto, o chão está tão longe, e o infinito parece tão próximo. Não ouso fechar os olhos, o momento tem que ser apreciado com todos os sentidos.

Nos vemos lá embaixo.