Tudo começou a uma eternidade, a uma breve vida. Era uma noite terrível e atormentada, onde nada era o que parecia, onde parecia que tudo estava errado, onde o tempo passava e a noite permanecia. Eu andava entre salas e corredores, e todos os lugares eram iguais. Até que descobri uma sala nova, com uma enorme janela de vidro.
Dessa sala eu via outra construção do lado de fora, a alguns metros de distância. Parecia ser uma sala igual, com a mesma grande janela. E ali havia alguém me olhando com uma expressão que eu nunca tinha conhecido. Ele sorriu e despertou algo que eu não sabia o que era, que eu gostava sem saber o motivo.
Do lado de fora a noite estava fria, e como nós dois não saíamos da sala, a olhar um para o outro, as janelas logo começaram a embaçar. Ao invés de um problema, isso se tornou uma ferramenta: passamos a escrever recados um para o outro no vidro embaçado. Estávamos separados, e extremamente próximos. Ele era real, e estaria ao alcance com algum esforço.
Porém existem pequenos demônios vivendo dentro das mesmas paredes que eu. Todos os temos, os meus não são piores ou mais travessos que os de qualquer pessoa, apenas atacam de surpresa. E não foi diferente nesse caso... Os demônios sussurravam pelos cantos, enchendo o ar com dúvidas e inseguranças. Até o dia em que as palavras na vidraça se desfaziam em veneno.
O afastamento era inevitável. Contudo, a sala estava sempre ali. E quando resolvi entrar mais uma vez, a janela mostrava ainda aquele a quem eu tanto queria. Ele também estava olhando através da janela. Era como se o tempo não tivesse passado. E tudo começou de novo.
Esse ciclo repetiu-se por incontáveis vezes. Sem saber o que acontecia ao certo, levantamos uma muralha transparente entre as janelas. A distância entre nós parecia mínima, quando na verdade era intransponível. A separação alimentava a fúria, a fúria cuspia palavras amargas. As coisas boas pelas quais passamos não eram o bastante para sustentar nossos sentimentos.
Um dia o vidro estava absurdamente turvo, não mudava por mais que eu quisesse limpar. Foi só então que percebi que sempre fora assim. Eu via apenas um vulto, e enxergava as coisas que eu queria ver na outra pessoa. Ele não era a pessoa que eu pensei que fosse, porque eu inventei uma pessoa para ver e amar. Talvez a imagem na outra vidraça fosse eu mesma refletida, falando nas entrelinhas das palavras de outra pessoa. Eram meus desejos, minhas expectativas, minhas paixões, minhas fantasias, meus conceitos, todos em conjunto atuando sobre uma imagem quase indefinida, moldando-a da forma que eu queria que fosse.
Eu saí da sala e tranquei a porta. Por muitas vezes a vontade de voltar é enorme, mas a porta está trancada e a chave perdida.
As memórias foram encaixotadas, não têm mais lugar no presente. Eu sei que haverão outras salas, haverão outras pessoas acenando com amores do outro lado da janela. E quero acreditar que um dia haverá uma janela clara o bastante para não deixar que eu molde a imagem. E que a imagem do outro lado não será perfeita, mas a aceitação entre nós será recíproca.
Sim, eu sou uma romântica.